A peça, com duração máxima de 30 minutos, compõe-se de três atos-solilóquios e um encerramento.
O ato 1 consiste num diálogo entre um homem e uma voz (1). O homem não tem nome e a voz surge de algum lugar indefinido. Na peça, o texto fala por si. (Veja a íntegra) Fiz o texto com base em sensações que me incomodavam e que ainda me incomodam. O texto não é autobiográfico porque não uso a mim mesmo como centro da trama. No centro, há sempre a história. O narrador é objeto da história e coloca-se como tal, mas tenta ser sujeito e não consegue. Na versão inicial, havia muito melodrama girando ao redor do homem. Convenceram-me e convenci-me de que isso não deveria existir. Na versão inicial, o homem tinha nome: era eu. E tudo o que era narrado era verdade. Na versão da peça "Somente", o homem não tem mais nome, mas tudo continua sendo verdade. O texto foi lapidado e retirados palavrões ou menções chulas. Na encenação, o homem fica no centro do palco, numa cadeira, em posição sentada, sem se mexer praticamente. Não expressa corporalmente nada. No tom de voz, o homem deve ser neutro. Não pode passar impressão de sentimentalismo consigo ou com os outros. O homem apenas narra. A única coisa que muda é a altura da voz e as pausas. A expressão é neutra, o máximo possível. Brunno, que atuou nesse papel em "Somente", desempenhou o homem forçando-se a não falar alto, a não expressar sentimentos, a não atropelar a música. A música (Fratres, de Arvo Pärt) foi escolhida durante o processo de encenação, e tornou-se fundamental por - por acaso - combinar exatamente com os momentos-chave da fala do homem. Não consigo mais imaginar o ato sem essa música em particular, pela Bournemouth Orchestra (Inglaterra) (7243 5 75805 2 6). A luz explode no rosto do homem em momentos particulares (às vezes, antes de uma pergunta da voz, outras vezes quando o homem fala) e desaparece totalmente em um momento especial (quando o homem pergunta à platéia se esta já ouviu o som de uma bomba real). Ao final, a luz desaparece aos poucos, sempre focada no homem. Atrás do homem, há um espelho - que foi preferido ao pano preto. O espelho já existia no palco do ECAL e seu potencial dramático foi avaliado depois, ao acaso.
O ato 2 consiste num monólogo-solilóquio. O texto, de nome Fugindo (2), foi falado por mim, em voz propositalmente baixa. Eu estava colocado atrás do Brunno, durante o Ato 1, e saí desse lugar com a segunda música (também de Arvo Pärt, em homenagem a Benjamin Britten). O movimento do narrador consistiu em sair de trás do homem, postar-se ao seu lado, avançar, sentar-se na separação entre platéia e palco, enquanto falava, encarar os espectadores com uma luz muito fraca, avançar para trás da platéia e sumir na escuridão, após o final do texto. Desde "Onde você estava? (Fugindo)" e mesmo antes, eu pretendia falar o texto dessa forma. Tentamos que o Mauryas o falasse, mas ele - com justificativa da falta de tempo - não quis. Ficou para mim. Numa encenação quase final, o narrador voltava ao palco, mas no último dia preferi fazer o narrador realmente desaparecer (até para melhor orientar o Rafael, do som e luz, durante o espetáculo). A luz, nesse ato, foca o canto inferior direito do palco, longe do homem e do homem jogado ao fundo (ato 3). A luz não é muito forte. Com o passar da fala, a luz some. A música continua até o fim, realmente, com maior ênfase nos tons médios e graves.
O ato 3 consiste num solilóquio de um homem jogado ao fundo do palco. Esse texto, originalmente chamado "Eis-me", foi feito para publicação no blog http://www.oracoesaovento.blogspot.com/. É uma narração do que se passava no meu interior naquele momento. O texto narra o convencimento de um homem de que é chegada para ele a hora de amar ou morrer. O texto, falado por Rycardo Moreno, foi utilizado para ser dito com voz neutra, calma e pausada. Nesse ato, foi usada a música Spiegel im Spiegel, também de Arvo Pärt. A luz foi colocada no mesmo canto da luz no ato 2, mas mais forte. O homem, que não se mexe, fala para baixo, praticamente sem entonação. O homem fala, a música acompanha. Quando o homem termina, a música continua um bom tempo. A luz não se mexe.
O ato 4 toma como base a Introdução da Glagolitic Mass, de Leos Janacek, e simplesmente mostra, com luz ampla, o movimento do homem, que pega a cadeira e coloca-se de costas para a platéia e de frente para o espelho, e do homem jogado, que se vira repentinamente de lado. A luz some rápida, a música continua e a peça acaba. O final foi feito em conjunto com todos.
(1) Esse ato foi feito a pedido de Gerald Thomas, para apresentação num evento ignorado em 15 minutos. Vim no entretempo a saber que a pequena peça deveria ser encenada nas Satyrianas de outubro de 2007. Na primeira versão, o ato consistia num diálogo entre eu (Contrera) e Gerald Thomas (que não influenciou em nada na concepção). O Gerald demorava a me dar resposta, então decidi eu mesmo bancar a exibição nas Satyrianas. O espetáculo chamou-se "Onde você estava? (Fugindo)", Brunno Almeida ficou a cargo da direção e Rafael Fabrício e Renata Becker, das atuações. O Brunno - que na versão inicial estava elencado para o papel, e que deixou a cargo do Rafael - depois iria fazer o papel do homem, sob minha direção. Este espetáculo virou "Somente uma pequena prova de amor" (o nome foi bolado por mim, no improviso, quando combinamos a encenação, por volta de março ou abril de 2008).
(2) O texto foi feito a pedido de Gerald Thomas em 2006 e apresentado numa peça dele pelo autor, duas vezes. A origem do texto é uma pergunta do Gerald a mim: "Do que é que você foge, Contrera?". Naquele dia, o Gerald pediu um texto para mim. Fiz o Fugindo, como resposta. O texto foi feito no Fnac da Paulista em exatos 15 minutos (meu micro estava quebrado e eu não queria deixar de apresentar um texto ao Gerald). O texto é simplesmente minha apresentação ao público e ao mundo, como um homem que foge de si mesmo.
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