quinta-feira, 29 de maio de 2008

meu querido Diego Torraca

Contrera,
Gostei muito do texto.
Um depoimento forte, urgente e verdadeiro.
Tenho algumas questões em relação à direção.
No primeiro ato, a influência do Gerald é muita clara: o personagem/autor/diretor sendo questionado por uma desconfiada e provocativa voz off, que me parece, a projeção da consciência desse mesmo personagem/autor/diretor. Até aí tudo bem. É simplesmente uma influência, o que é normal. Por isso, gostei muito do espelho, que serve como metáfora pra essa sabatina do artista com ele mesmo, não fosse o reflexo do técnico de som que comprometeu todo o foco da cena. Mas o que mais me pegou, nesse caso, foi a sua presença na cena. Já era claro que quem falava, através do ator, era o Contrera, o artista. Não precisava sublinhar esse código, que para mim, já estava claro.
No segundo ato, se não me engano, enquanto você falava o seu texto, que revelava a angústia da fuga, eu me questionei se você precisava deixar o palco. Será que não é sublinhar, novamente, o que já está sendo dito?Será que não foi a solução mais fácil? Outra questão de direção.
Bom, trocando em miúdos, o texto me toca muito. Não tenho muito o que dizer, só que gostei muito.
A direção é que me levantou mais questões.
O mais importante de tudo é a honestidade e a inquietação que você coloca em cena.Isso é o que interessa. Parabéns.
Todas essas observações são a partir do meu entendimento da peça. De repente não é onde você quis chegar.
Diga o que você acha disso tudo.
Abraços,
Diego

Diego, querido
Nâo quero simplesmente responder a esse teu email tão verdadeiro e bonito, passo por passo, como se fosse um dever de casa.
Simplesmente fiquei realmente emocionado em ver como todos se deixaram tocar, assim, com tanta delicadeza, e responderam à altura, com simplicidade. Ninguém mentiu para mim, sabe, vindo com tapinhas nas costas sem graça. Quem cumprimentou entendeu isso que vc disse: honestidade e inquietação, e passou a mesma energia para mim. Hoje todos vemos tudo tão de fora que às vezes até os aplausos me enojam. Os de hoje, não. Sei lá, foram tão simpáticos, ao menos para mim.
Como disse a vc pessoalmente, a influência do Gerald eu não consigo aquilatar. Simplesmente as outras abordagens a mim não convencem, e precisei fazer dessa forma. O primeiro ato, o do Brunno, foi feito em outubro passado, e tinha como interlocutor o próprio Gerald - eu tirei, pois não fazia mais sentido. Virou algo ensimesmado. No caso, eu também não concordo muito com essa questão de consciência ou de falta de consciência (que precisa da consciência para aparecer). Simplesmente o personagem questiona sem parar a si mesmo - e sem saber muito bem por quê. A voz é a prova desse questionamento.
Sabe que o espelho surgiu sem querer? Ele já estava lá, e percebemos o jogo no decorrer do terceiro ensaio - foram quatro. Preferimos manter assim, e acabou por consistir quase num outro personagem. O reflexo do técnico infelizmente poderia ter sido minimizado por mim, que ia levar uma LED, mas acabei me confundindo. Pena. Agora, sabe que no fundo o reflexo do técnico a mim não incomoda tanto? Não me pergunte por quê!
Não me recordo bem por que decidi colocar-me em cena. Mas há algo de homenagem à Sônia, do Viga, que faz esse cara-a-cara, para mim tão importante, e por outro lado algo meu, pois PRECISO me colocar na berlinda, sendo ao mesmo tempo um aspecto dominador e por outro lado uma clara posição de ser questionado. Creia, eu não entendo o palco realmente como palco, para mim simplesmente é um ambiente em que os outros sentem-se à vontade para invadir com o olhar. E isso não necessariamente me incomoda - ao contrário. O Brunno sou eu, claro. Mas de meu ponto de vista no palco posso avaliá-lo, avaliar um a um os espectadores, e ter real domínio da cena - físico, inclusive. Creia-me, desse ponto de vista posso e cogito algumas vezes em interferir. Rompendo assim com tudo o que está sendo dado de antemão. Pode parecer desrespeitoso, mas é uma opção, às vezes. Por outro lado não creio criar extrema insegurança no ator, como faz o próprio Gerald. No fundo, eu evito me meter demais. Pois meu interesse é realmente AFETAR o ator, torná-lo algo como parte de mim. Que sinta como eu sinto. Não sempre, mas que tenha esse recurso. E consiga extrair isso de meu texto. Não é fácil, claro (agora escrevo peça sobre mulheres, vamos ver como vai ser resolvido).
Concordo que a fuga acaba sublinhando - talvez demais - algo que está sendo dito. Minha intenção com isso é reforçar ainda mais o texto, e sua dramaticidade. Como eu, contrera, fico cara a cara com todos, e afasto-me aos poucos, creio criar nos espectadores a sensação de que ELES TAMBÉM SE AFASTAM. Ou seja, que não sou eu apenas quem foge, mas que eles, por não se manifestarem, deixam que eu fuja. Atribuindo a eles algo da dramaticidade do texto. Com a música, creio conseguir algo disso.
Os textos, querido, são eu. O primeiro é uma preocupação política real com uma convicção também real - que todos estamos sempre imbricados com outros de nós. O segundo é a resposta a um questionamento do Gerald e que hoje virou divisa sempre que me pego deixando de defrontar aquilo que tanto me preocupo em entender. O terceiro é uma convicção profunda de que vive-se para amar.
Bom, é minha primeira direção, e sempre sinto que pode haver tanto a acrescentar. Mas o que me importa sempre, no fundo, é a reação do espectador EM SUA INTIMIDADE (a reação externa não me causa nada). Se o espectador reclama de que não há nada no espetáculo que ele queira consumir, isso me irrita. Mas se ele se deixa levar e sai e entra acabrunhado por sentir que entendeu menos do que deveria, isso me anima. Vc não imagina como me animou existirem tantos na platéia que decidiram ficar para o segundo round. Deu para perceber que eles queriam não simplesmente mais, mas melhor. Entender melhor o que eles já haviam digerido, parcamente.
Bom, vc sabe, o espetáculo foi gravado, em duas posições. E ele será disponibilizado no youtube. Para quê? Para que quem quiser possa tentar entender POR DENTRO o que a minipeça quer dizer, algo muito íntimo mas nada biográfico. Algo que diz respeito a todos nós e que muitas vezes assume o nome de anomia, alienação, mascaramento de sensibilidade, ausência de memória, ou simplesmente nossa tendência a mentirmos para nós mesmos. Claro que nunca sou nem jamais serei o único a tocar nesses pontos, mas isso faço do meu jeito, e esse jeito tem a ver com esse tom de voz e de técnica que perpassou estas apresentações. Passei a vida toda encontrando coisas para consertar fora de mim, e de repente me vi diante da situação de que nada conseguiria eu mudar se eu não me prontificasse a questionar tudo em meu interior. É isso que a peça se propõe a jogar à tona, ao espectador.
Bom, vc sabe, adorei teus comentários. Me ajudam sempre muito. E isto que escrevo é apenas o começo. Logo escreverei mais no blog de Somente uma pequena mostra de amor.
flw, meu caro, vc realmente ajuda muito, sabe?
sinta-se à vontade sempre que passar por aqui.
abração!
Rodrigo Contrera

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